Um doguinho muda completamente a nossa vida. Para melhor, isso é certo. Mas esse não é um texto que romantiza a vida dos “pais de pet”. Ser responsável por outra vida nunca é fácil, como eu descobri ainda adolescente.
Como toda criança, eu gastava boa parte da minha energia pensando em como seria quando minha mãe finalmente topasse me dar um cachorro. Esse dia chegou perto dos meus 18 anos, quando um colega de turma precisou doar a ninhada da sua cadela. A mistura era promissora: basset com dachshund, nada extravagante. Por coincidência (ou destino, como você preferir), nesse dia minha mãe estava indo me buscar na escola e eu achei que era a oportunidade perfeita. Peguei a bichinha no colo, reuni minhas melhores amigas e ensaiei o melhor sorriso, que combinava perfeitamente com a carinha de “vai mãe, deixa, por favooooor”.
Minha mãe tem várias qualidades, mas digamos apenas que a polidez não é uma delas. “Essa p*&%#@ cresce muito?”, foi a única pergunta que ela fez. “Nããããão, lógico que não”, eu me apressei em dizer. Mas a verdade é que no momento em que dona Deila colocou os olhos na Lua, não tinha mais jeito. Ela podia ser um filhote de fila que seria bem recebida. Tenho minhas ressalvas em relação ao amor à primeira vista entre humanos, mas nunca duvidei da paixão instantânea entre um cachorro e seu dono.
Porque é isso, quem escolhe os donos são eles. Tutores somos todos. Dono só existe um. Na teoria, a Lua era minha. Na prática, ela era da minha mãe e minha mãe era dela. Fim da história.
E assim foi por quase 12 anos. Lua começou a ficar velhinha, apareceu um tumor na boca, depois mais outro e outro. E não importava quantos tirássemos, eles continuavam aparecendo. Ela se foi deitadinha na maca do veterinário e eu chorei como se fosse alguém da família. Aliás, como se fosse não. Ela era de fato. Uma irmã mais velha, só que mais nova, com um humor rabugento que, naquela época, combinava perfeitamente com o meu.
Achei que minha mãe não fosse querer outro cachorro por um bom tempo, mas pouco depois ela me pediu para encontrar outro vira-lata que estivesse para adoção. A Bia chegou em casa e demorou exatos 30 segundos para conquistar todo mundo. E quando eu digo “conquistou”, é no sentido mais territorialista possível. Ela de fato ocupava os espaços. Bia era tudo, menos discreta e sutil. A mistura que resultou nela é desconhecida, mas posso apostar que a mãe não era nenhuma bailarina.
Por sorte, se faltava elegância, sobrava charme. Maria Beatriz (por um mundo com mais doguinhos de nome duplo!) angariava fãs por onde passava. TODO MUNDO, sem exceção, se apaixonava por ela. Com olhinhos de gatinho do Shrek, botinhas brancas da Xuxa e um rabinho de algodão, ela ganharia fácil o prêmio de melhor cachorra do mundo, caso fosse uma escolha possível. Até meu marido, avesso a pets mimados, se rendia a ela. Bia era absolutamente irresistível.
Ela recebia todos os carinhos e xodós do mundo, mas falhamos miseravelmente em um ponto: não fizemos a cirurgia de castração, o que resultou em uma gravidez psicológica atrás da outra. O leite vinha, não secava completamente, os hormônios continuavam agindo e ela teve um câncer de mama com metástase cutânea. Bia passou os últimos meses comigo e com meu marido e foram, sem sombra de dúvida, os mais difíceis da minha vida. Ela se foi na mesma clínica veterinária em que eu me despedi da Lua, depois de lutar bravamente contra a ferida que não fechava nunca. Eu escrevo essa frase com um nozinho incômodo na garganta e desconfio que ele vai seguir comigo até o fim da vida.
Jurei para mim e para o Gui que não teria outro doguinho tão cedo. E cumpri a promessa por quase 1 ano e meio. Ocorre que um casal de amigas adotou uma segunda cachorrinha e, ó, que surpresa!, ela estava grávida. Dos quatro filhotinhos, apenas um era marrom. O nome era óbvio, mas ao mesmo tempo bom demais para deixar passar. Alcione foi batizada em um grupo de whatsapp e eu soube ali, olhando para um filhote ainda meio com carinha de rato, que ela era nossa.
Mas eu disse que não romantizaria a vida com um pet, certo? Dois dias antes de Alcione ser liberada para adoção, eu e meu marido recebemos a notícia de que teríamos que nos mudar. E se você acha que mudança é algo complexo, imagine fazer isso com um filhote de 45 dias.
Para ser completamente honesta e me manter fiel à promessa do início desse texto, confesso que a vida só começou a entrar nos eixos agora. Ela já passeia, já interage com outros cães, os dentinhos de leite já estão caindo e os permanentes nascem menos afiados, graças a Deus. Alcione já deita do nosso lado quando vemos TV, já escolheu seu dono (eu), e já obedece a alguns comandos básicos. O problema é que dormir de madrugada não é o seu forte. Como seu pai e seu avô, Alcione é notívaga, uma autêntica boêmia que acredita que as noites foram feitas para brincar e latir. A sua mãe, por outro lado, acha que depois das 21h30 tudo é madrugada e o dia começa às 6h da manhã. Nesse ponto concordamos. Alcione nunca me deixou passar de 6h20.
Semana passada, depois de ver sangue nas fezes, corremos com ela para o veterinário. O saldo? Uma fatura de cartão de crédito R$570 mais cara, um exame negativo para qualquer parasita e uma cachorra que não parou de brincar e pular um segundo sequer. Se não fossemos tão cuidadosos, eu seria capaz de jurar que o desconforto intestinal foi causado pela ingestão de uma pilha duracell.
Em alguns casos o amor é, de fato, instantâneo. Em outros, me arrisco dizer que na maioria, ele é uma construção. Eu, ela e Gui estamos construindo a nossa família multiespécie. O processo não é simples, não é rápido e nem sempre é gostosinho. Mas quando ela deita no meu colo e me olha com esses olhinhos verdes, eu pagaria R$570 para nada absolutamente todos os dias.
Curtinhas!
O vídeo com os ensaios preferidos da
tem me feito desbravar esse gênero e eu estou AMANDO.Semana passada falei da Oficina de Crônicas da Tayná e essa semana descobri esse vídeo delicioso da Antofágica. Por que a gente não lê crônica assim, tipo todos os dias?
O que eu estou lendo?
Sou fã assumida de Nora Ephron antes mesmo de saber quem era ela. Isso porque ela assinou o roteiro de um dos meus filmes preferidos, o “Mens@gem para você” (You’ve got mail), com Meg Ryan e Tom Hanks. Comédia romântica raiz, sabe? Pois bem, ano passado li “Não me lembro de nada”, uma coletânea de textos deliciosos herdada da minha madrasta, e me apaixonei pela escrita engraçada, irônica e pelo humor autodepreciativo. Gosto de gente que não se leva tão a sério. Essa semana encontrei “Meu Pescoço é um Horror” num sebo perto de casa por R$7 e só pelo primeiro texto eu já pagaria o dobro disso. Definitivamente, pessoas debochadas são as minhas preferidas. Recomendo demais!
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sem estrutura para negar qualquer coisa para alcione se ela fizer essa carinha...
Ah, os doguinhos! <3 Sou suspeita, já tive seis, três partiram e me fizeram chorar minha alma pra fora, e os outros três permanecem me lembrando que vale a pena cada susto, cada lágrima, cada "para de latir pelo amor de deus", cada momentinho. Muita saúde, alegria e petiscos pra Alcione!