Para ler ao som de “Não é proibido”, de Marisa Monte.
Nos últimos dias fui obrigada a me despedir de um amigo muito querido. Não chega a ser uma despedida eterna. Ele não morreu, apenas estamos dando um tempo. Sei que posso acessá-lo a hora que eu quiser, mas sinto que ainda não está na hora de retomarmos nossa amizade. Se eu fizer qualquer movimento agora, voltaríamos a nos encontrar com a mesma intensidade de antes e, para ser honesta, essa relação não estava me fazendo bem.
Estou falando, claro, do açúcar, meu fiel companheiro desde a infância. Eu e ele desenvolvemos uma relação íntima desde que me entendo por gente, muito por conta do meu pai e da minha avó que não abriam mão da sua presença em casa. Para o papai, ele era companheiro fiel naqueles momentos de autoindulgência, sabe? “Um dia quente merece um milkshake de ovomaltine do Bob’s”, ele me dizia. “Brigadeiro dá muito trabalho, suja a panela. Vamos só misturar leite condensado e nescau e comer vendo TV”, me explicava.
Já a relação com a minha avó era mais prática e funcional (ainda que não fizesse o menor sentido). “Nada como um copinho de açúcar puro para acalmar os netos e conseguir fazer as tarefas de casa”. Hoje, eu penso que a alegria que eu sentia ao ver os primos reunidos provavelmente era o pico de glicose no sangue, mas continuemos.
Sempre me culpei por ser uma criança chata para comer. Chata mesmo, difícil, a hora das refeições beirava a tortura. Comer na casa dos amiguinhos dava angústia e, dependendo de quanto tempo a visita se estendesse, dava fome também. Hoje, olhando em retrospecto, vejo que não podia ser muito diferente. Com o tanto de açúcar e sódio que eu ingeria, quem eram a abobrinha e o alface na fila do pão?
Tive a sorte de ter a minha avó em casa até os meus 15, 16 anos. Com a minha mãe trabalhando o dia inteiro, era ela que ficava responsável pelas refeições. Uma delícia, porque vovó era uma excelente cozinheira. Outra delícia: ao menor sinal de pouca ingestão de comida no almoço, invariavelmente, chegava um prato de brigadeiro no meu quarto. Sem ao menos eu precisar pedir! Quentinho, cremoso, retirado da panela bem antes do ponto, ele era quase um mingau. Se alguém me perguntar qual é o gosto da minha vó Juju, é esse, sem dúvida: coxinha de galinha e brigadeiro no meio da tarde, ao som de Backstreet Boys. Na luta contra o vício em açúcar, eu nunca tive a menor chance.
O curioso é, que ao contrário do que as amigas e a Capricho diziam na época, eu era magra. Olhando fotos antigas, só posso crer que todo o leite condesado que eu comia evaporava pelos meus poros. Ah, o metabolismo adolescente!
Não culpo meus pais ou minha avó por essa relação tóxica que tenho com tudo o que é doce. Eu cresci nos anos 1990, na época em que os adultos foram levados a acreditar que “danoninho valia por um bifinho” e a geleia de mocotó tinha realmente diversas vitaminas e minerais. Mas hoje, aos 38 anos e produzindo conteúdo para várias nutricionistas, eu já entendi o tamanho do problema. E me sinto completamente inapta a resolvê-lo.
Depois da viagem gastronômica para São Paulo (falei dela aqui), fiz a única coisa que me era possível: comecei a dieta, marquei um check-up geral e voltei para a academia. Estaria sendo hipócrita se dissesse que fui movida apenas pela preocupação com a saúde. Depois de engordar quase 10kg em 5 anos, é óbvio que meu corpo mudou a ponto de eu não reconhecê-lo. Em matéria de chutar o balde, eu sou a Marta e já tenho vaga na seleção.
Mas, para além dos motivos nobres e fúteis, há ainda um outro. Se fui capaz de me livrar de tantas relações tóxicas ao longo da vida, não é possível que só a que tenho com o açúcar vai perdurar.
O início é difícil. Acordar e saber que vou passar meu dia sem contato com ele é triste. Tento me enganar, buscar em outros corpos aquela alegria, mas não adianta. O chocolate 64% cacau que meu marido compra jurando que é uma delícia é apenas um passatempo, um simulacro daquela amizade. Uma propaganda enganosa. Como algo que diz ser “alto em açúcar adicionado” pode ter gosto de dipirona?
Eu me irrito, sinto dores de cabeça, fraqueza, sintomas claros de um coração partido. Fico lembrando dos nossos momentos juntos, depois do almoço durante a semana, aos domingos, bem no finzinho da tarde, os lanches na casa dos meus sogros. Vê-lo ali, como um pavê de chocolate, sempre me deu força para encarar a semana. Mas não, não quero mais.
Eu, empoderada que sou, não posso perder a batalha para uma colher de doce de leite. É o fim.
Curtinhas!
Sábado Stephen King fez aniversário. Aqui tem as 10 melhores adaptações cinematográficas do aniversariante.
Uma entrevista com Courtney Novak, influencer que fez o brasileiro redescobrir Machado de Assis.
A onda dos influenciadores cristãos e o que isso tem a ver com a forma como a gente consome coisas.
Uma lista imperdível de filmes dirigidos por mulheres.
sobre a relação mãe e filha. Já quero!Para pensar a linguagem neutra.
O que eu estou lendo?
Às vezes eu acho que me maltrato, sem saber muito o porquê. Comecei a ler “Longe do Ninho”, livro da Daniela Arbex sobre o incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo. Em 2019, 10 adolescentes morreram por conta de um curto-circuito no ar-condicionado do alojamento, e até hoje ninguém foi punido. Daniela é aquilo que a gente já conhece: sensível, precisa, extremamente responsável com as palavras. Não explora a tragédia, mas não deixa de mostrar o lado humano de toda catástrofe. Mesmo com toda a qualidade e sensibilidade do texto, eu me pergunto: eu precisava mesmo mergulhar a fundo nessa história? Faz sentido ter pesadelos há uma semana pela mera curiosidade jornalística? Honestamente, não sei. Mas, se você tem estômago forte, fica aqui a recomendação.
E não custa lembrar: os livros que eu cito aqui nessa newsletter sempre vêm acompanhados de um link de afiliado da Amazon. Ao comprar qualquer item através desses links, eu ganho uma pequena porcentagem e você não paga nada mais por isso. Vamos ajudar essa produtora de conteúdo a adquirir mais livros e falar mais sobre eles, em um ciclo sem fim de bons conteúdos na internet? :)
Adorei o texto e as recomendações. :)