Anos atrás, tive uma conversa curiosa com um amigo que dizia não ler ficção pois “não aprendia nada com esse tipo de livro”. O que ele gostava, vocês já podem imaginar, era autoajuda e livros de negócios. Sempre que ouço uma frase dessas, sinto que meus olhos podem revirar até que eu veja meu próprio cérebro mas, no geral, consigo responder de forma a convencer o interlocutor a pelo menos tentar. Um conto, uma novela, um poeminha que seja. Acredito piamente que a beleza da vida está na nossa capacidade de ficcionalizá-la.
Eu poderia escrever um longo tratado sobre o assunto, mas nada chegaria aos pés do que Afonso Cruz escreveu em “Vamos comprar um poeta”. O livrinho é pequeno no tamanho (não chega a 100 páginas), mas enorme no conteúdo.
Em um mundo dominado pelo utilitarismo, pelo lucro e pelos números, os poetas e artistas em geral tomaram o lugar dos pets. Ter um exemplar desses em casa é sinal de status: há tanto dinheiro na conta bancária que é possível gastar com coisas “inúteis” como a arte.
Afonso Cruz escreve então trechos assim:
“Dizem que é bom transacionarmos afetos, liga as pessoas e gera uma espécie de lucro que, não sendo um lucro de qualidade, já que não é material e não é redutível a números ou dedutível nos impostos ou gerador de renda, há quem acredite - é uma questão de fé - que pode trazer dividendos”.
Soa absurdo aos ouvidos mais sensíveis, mas confesso - não sem certa vergonha - que me identifiquei com o raciocínio. Sempre fui uma pessoa introspectiva, que sai de ocasiões sociais com a energia drenada (ironicamente, casei com um homem com espírito de vereador, vejam só), então volta e meia preciso me lembrar que “é bom transacionar afetos”.
Não só isso, percebi recentemente (com a ajuda da terapia) que minha lógica anda cada vez mais utilitarista. Aos poucos, fui tirando da rotina tudo que não tem um aspecto prático. Faço exercício físico porque é bom para a saúde. Leio porque senão perco o réu primário. Passeio com a minha cachorra porque é bom para a saúde mental dela (e consequentemente para a minha). Mas sempre que sou lembrada da importância de fazer algo dito inútil, faço com uma tonelada de culpa nas costas. Estou sozinha nessa?
Ao lado do consultório da minha terapeuta, fica um dos meus lugares preferidos no Rio: o Museu da República. Sentar no jardim imenso por 15 minutos e ler um livro é um dos momentos mais gostosos da minha semana. Mas volta e meia me obrigo a sair correndo, porque tenho trabalhos a entregar. O chicote não sai da minha mão.
Eu poderia simplesmente me lembrar de que descansar é preciso, principalmente para quem trabalha com a criatividade como eu, mas eu estaria reforçando o tal utilitarismo. Sento ali porque gosto e porque trabalhei durante anos para ser autônoma e dona do meu próprio tempo, ora pois. Então, por que não fazer isso sem culpa? Não sei, e infelizmente o poeta de Afonso Cruz não me deu essa resposta. Mas vou levá-lo comigo na próxima sessão de terapia e, quem sabe?, para um passeio nos jardins.
Curtinhas!
Esse post define o texto de hoje.
Esse episódio de Daria um Livro, com a Mariana Salomão Carrara, uma das minhas escritoras brasileiras favoritas.
Um lembrete importante.
Esse site que reúne indicações de livros das mais variadas celebridades.
Em São Paulo, essa exposição recria o anexo onde viveu Anne Frank. Já entrou na minha programação de férias.
O que estou lendo?
Sucumbi a dois hypes do momento e espero não me arrepender. “O Avesso da Pele”, do Jeferson Tenório foi muitíssimo recomendado pelo meu marido. Minha amiga Nayara, do @atracalivros_ me recomendou “Impostora”, e pelas primeiras páginas, já sinto que vou gostar. Os dois vão me acompanhar em São Paulo e depois volto aqui para dizer o que achei!
E não custa lembrar: os livros que eu cito aqui nessa newsletter sempre vêm acompanhados de um link de afiliado da Amazon. Ao comprar qualquer item através desses links, eu ganho uma pequena porcentagem e você não paga nada mais por isso. Vamos ajudar essa produtora de conteúdo a adquirir mais livros e falar mais sobre eles, em um ciclo sem fim de bons conteúdos na internet? :)
a sinopse desse Impostora me pegou hein!
aguardo teu review - sem spoilers, please.
só posso dizer que aprender a descansar e desfrutar disso foi a melhor coisa do meu último ano. a vida muda, REAL. não desista!