Nem aquecimento global, nem ascensão da extrema direita, nem crise econômica. O mundo começou a dar errado mesmo quando a gente parou de perguntar para as pessoas o que elas gostavam de fazer no tempo livre.
Poucos anos atrás, essa era uma pergunta normal, geralmente feita quando a gente queria conhecer os gostos de alguém. Pasmem, a gente não perguntava o que o outro fazia para ganhar dinheiro, mas sim para se divertir. A originalidade da resposta não estava em questão, podia ser praia ou crochê, cinema ou videogame, não importava. A ideia implícita era que a pessoa 1) tinha tempo livre,de fato, e 2) sabia o que fazer com ele.
O problema é que ouvimos vezes demais aquela frase cretina que diz “trabalhe com o que você ama e nunca precisará trabalhar na vida”. O resultado é uma geração inteira que passou a odiar o que antes amava, tem crises de ansiedade domingo à noite, não tira cartelinha de Rivotril da carteira e agradece a indústria farmacêutica por ter inventado o sublingual. E os hobbies? Não sabemos mais o que é isso.
Talvez esse seja um bom momento do texto para confessar a minha hipocrisia. Eu sou parte integrante dessa geração descrita aí em cima. Eu mesma tenho muita dificuldade de identificar onde estão os meus hobbies na minha rotina. “E por que isso?”, você se pergunta. “Culpa”, eu te respondo, meu caro leitor. Culpa, pura e simples.
Enquanto eu estiver me dedicando aos livros, à corrida, aos dias de sol na beira da piscina, eu não estarei produzindo. Se eu estiver dormindo ou vendo uma série da Netflix, quem estará cuidando da minha empresa? E os boletos? Como serão pagos? Como cuidar da casa, da minha família, da minha cachorrinha que se acostumou a comer uma ração com mirtilo?
Pensei muito sobre isso quando decidi me inscrever em um curso livre de literatura. Meu amor pelos livros vem desde muito pequenininha, muito antes de eu saber ler até. Daria pra imaginar que uma paixão tão antiga não seria maculada pela culpa, mas ora, ora, olhem quem vem lá.
Mas, assim como aprendemos na terapia a levar o medo junto, resolvi levar meu chicotinho para a aula. Acho que ele não é muito fã de Terry Eagleton e Antonio Candido, porque me abandonou para não mais voltar. Pelo menos, não durante o curso.
Aos poucos, a gente vai aprendendo que, assim como o não é uma frase inteira, o sim também é. Por que aprender uma coisa nova que não vai me dar retorno financeiro? Porque sim. Por que dedicar meu tempo a algo sem aplicação prática? Porque sim. Porque sim, porque eu quero, porque eu to afim, porque me diverte, porque me faz bem. Parece desaforado, né? Talvez seja mesmo. Mas talvez seja também uma excelente resposta para quem ousa questionar os nossos desejos. E isso vale para nós mesmas.
Curtinhas!
Sobre não ser blasé e se deixar levar pelas emoções.
Como resistir a um convite desses?
Steve Carell me faz feliz apenas existindo.
Meio hipnotizada nesse vídeo e nesse perfil.
Um texto sobre o horror que a matemática ainda nos causa (podia ter saído de mim, mas é da
).
O que eu estou lendo?
Como sempre, mais do que eu consigo dar conta. Além de “A Outra Princesa”, que já comentei aqui, ando bem apaixonada pela escrita da Joan Didion, em “O Álbum Branco”. Também decidi vencer meu ranço e reler “Lolita”, agora mais madura e com um olhar mais atento para a escrita do Nabokov. Se chegarei ao final, só o tempo dirá!
E você já sabe: ao comprar qualquer item através dos links dessa news você ajuda essa produtora de conteúdo a adquirir mais livros e falar mais sobre eles, em um ciclo sem fim de bons conteúdos na internet. :)
Semana passada eu comentei com minha terapeuta que nao tinha conseguido "produzir" nada no final de semana - e ela me chamou a atencao para a palavra escolhida. "por que voce acha que precisa estar produzindo o tempo todo, Giuliana?!" ela me passou essa rasteira em forma de pergunta, cuja resposta provavelmente sera analisada numa proxima cronica...
PS: Perdi tudo na racao com mirtilo hahahahahahaha ah, a vida do pet.....
o fenômeno de sentir culpa pelo que nos "distrai" está muito ligado ao mito de que temos de ser produtivos o tempo todo, até nas horas vagas. precisamos urgentemente resgatar o conceito do ócio criativo, que nos faz bem mais felizes.