Eu tinha 11 anos quando Lady Di morreu naquele túnel, perseguida por paparazzis. Eu não sabia direito quem era ela, mas lembro bem da imagem dos príncipes William e Harry andando atrás do caixão de cabeça baixa. Lembro de ter sentido pena, lembro de ter ficado triste, mas acima de qualquer coisa, lembro que eu senti medo. Muito medo. Como assim as mães podem ir embora de uma hora para outra? Naquela época, minha experiência com morte era bem limitada. Tirando o Senna e os Mamonas Assassinas, ninguém que eu gostasse muito tinha morrido ainda. A morte ainda era um mistério que eu rezava para que nunca me fosse revelado.
O que eu senti, muita gente sentiu também. Não era só na Inglaterra que choravam a morte da princesa. A sensação de luto era geral, Candle in the Wind, do Elton John, virou hino, e cada vez que falavam em William ou Harry as mãos iam ao peito e as cabeças viravam de lado, naquele gesto que deve significar pena em qualquer lugar do mundo.
Mas a maré vira, né? Crianças crescem, se transformam em adolescentes que fazem escolhas erradas, adultos que decidem se posicionar do lado errado da história. O mundo vai mudando, nos tornamos mais conscientes dos problemas sociais, questionamos aquilo que era dado como certo. O cinema e a TV se abrem para novas narrativas e ricos e famosos passam a ter outro significado. “Parasita”, “Bacurau”, “The White Lotus” e a própria “The Crown” servem de prova que o fenômeno “eat the rich” veio pra ficar.
E “O que sobra”, a biografia do príncipe Harry, no meio de tudo isso? Com tantos problemas estruturais para dar conta, o brasileiro no geral não tem tempo de empatizar com o Reserva, como ele mesmo se intitula. Uma ida rápida ao mercado já suga toda a simpatia que a gente pode ter por alguém com um título de nobreza. Mas se a saúde mental é tão importante quanto o Instagram nos faz acreditar, acho que é válido analisar a narrativa por outro ângulo.
No livro, ele conta como a morte da mãe moldou sua personalidade e como o estado de negação pós-luto se prolongou por anos e anos. O senso comum nos faz pensar que tanto dinheiro poderia pagar os serviços do melhor psicólogo do Reino Unido, mas se a sua família acredita que existe dignidade em sofrer calado e se a manutenção da monarquia está diretamente ligada a isso… aí eu digo que não existe muita esperança para você.
Não sei qual o significado que vocês atribuem a dinheiro por aí. Mas para mim, ele é sinônimo de liberdade. Ou pelo menos, do desejo de liberdade, visto que minha conta bancária está longe da realeza. De nada me adiantaria ter dinheiro para viajar o mundo se em todo lugar que eu fosse encontrasse um ser humano com uma câmera apontada para a minha cara, esperando pelo primeiro deslize. Confiar segredos a alguém? Nem pensar. Entrar num bar e tomar um drink sem chamar a atenção? Jamais.
Mesmo sabendo que eu posso ser uma voz solitária e dissonante, não consigo deixar de sentir pena do príncipe Harry. E da Meghan Markle. Aliás, principalmente dela. Como mulher branca, eu só posso imaginar as dores que o racismo causa. Quando essa dinâmica ganha o apoio de Rupert Murdoch então, a crueldade ultrapassa níveis estratosféricos.
Famílias disfuncionais existem a rodo pelo mundo e isso independe de localização geográfica e situação financeira. Mas sempre achei curioso o fato de que aparte os sonhos de fada, ter um título de nobreza é como ter uma bola de ferro de grife amarrada aos pés. Ser invejado, ao mesmo tempo odiado, sem direito a reclamação. No mundo em que vivemos, como pode um sujeito que vive em um castelo reclamar de alguma coisa? Mas acho que se minha vida não fosse minha, se eu tivesse crescido como um símbolo e não como uma pessoa, eu também daria uma surtada.
Em certo sentido, essa biografia deu uma “sobrevida” à família real. Não sei se era exatamente o tipo de popularidade que eles estavam buscando, mas para quem é capaz de jogar os próprios filhos aos leões, até que serviu.
Com o livro e a série documental na Netflix, Harry e Meghan conseguiram se apropriar da sua história e ressignificar a própria narrativa. Confesso que gosto da ideia de combater a mídia com mídia e fazer essa galera experimentar um pouco do próprio veneno.
Em resumo, desculpa, vocês não vão me ouvir falar mal do Harry por aqui. Acho que perder a mãe, ter o Charles como pai e Camilla como madrasta já é castigo suficiente por essa encarnação.
Da semana
Breaking news: dá pra empatizar com os ricos e os pobres ao mesmo tempo. Por falar nisso, que tal tirar alguns minutinhos para ajudar a galera do litoral norte de São Paulo, completamente arrasado pelas chuvas?
Aqui nesse link você encontra algumas formas de contribuir!
Triste por quem perdeu entes queridos, mas um pouco aliviada de ver que voltamos a ter presidente.
Rapidinhas!
Tá tudo bem não dar conta de tudo. E quem diz isso não sou eu, é a musa @aquelaquesabe nessa news aqui:
Isso aqui é dançar. Eu só me mexo.
O resumo do meu atual momento profissional em um texto:
My (Exact) Response To A Cheap Client Who Offered Me $500 For A $5,550 Job
Se o filme da Nike não for F*ODA, esse trailer deveria ser processado por propaganda enganosa. Se bem que isso já rolou, então não vamos dar ideia.
O que eu estou lendo?
Adiei ao máximo o fim da trilogia “O Século”, do Ken Follet porque sabia que o livro ia me sugar e não deixar eu ler mais nada. Não deu outra. Cá estou presa em “Eternidade por um fio”, último volume, que é um pouco mais lento que os demais, Guerra Fria, né? Espionagem, troca de cartas pra lá e pra cá, ameaça nuclear. Jesus, os anos 60 não foram para os frascos.
Enfim, deixei de lado momentaneamente o “Belo Mundo, onde você está?” e o “Como Escrever bem”, mas em brevíssimo volto para eles. E vocês, o que estão lendo por aí?
Lembrando que ao comprar qualquer item na Amazon pelos links dessa news você está ajudando essa musa produtora de conteúdo. Mais din din, mais livros pra eu comentar aqui com vocês! ;)
Que honra aparecer sendo indicada aqui! Obrigada pelo carinho <3
Sobre o fenômeno "eat the rich" - desde que uma amiga sentou umas duas horas pra ~tentar~ me contar sobre as histórias de The Crown eu ando bem pensativa sobre isso, sobre esse "privilégio" que, pra além de proteger de certas amarguras (como fome e moradia), arranca muitas outras como dignidade e privacidade. Fiquei um pouco mais empática também.