Fui criada em um ambiente em que expressar vontades, pensamentos e emoções era algo fortemente desencorajado. Se a emoção em questão fosse a raiva, então…
A ira, a indignação ou até mesmo uma irritação profunda, eram emoções fora dos limites para nós, mulheres. Isso não quer dizer que não sentíamos nada disso, muito pelo contrário. Apenas aprendemos a disfarçar, dissimular, engolir o sapo e sorrir amarelo. O que isso significou para cada uma de nós - eu, minha mãe, minhas tias e primas - variou de acordo com as horas de terapia de cada uma.
Algumas, fizeram do limão uma limonada e aprenderam a transmutar a raiva em algo quase positivo. “O que esse sentimento quer me dizer? Por que eu sinto raiva disso e não daquilo? O que isso diz sobre MIM?”. Outras, aprenderam a engolir seco e a guardar a raiva lá no fundo do peito. Essas, brigam entre si sem trocar palavra. Ao longo dos anos, a família desenvolveu um método curioso de discussão: uma triangulação que geralmente se dá por telefone, whatsapp ou e-mail, com uma das irmãs se prestando ao papel de portadora do caos e servindo de intermediária das ofensas alheias, num leva-e-traz sem fim. Toda essa energia despendida, quando se pode resolver as coisas com uma simples conversa, é algo que está além da minha compreensão.
Já eu, levei 30 e poucos anos para entender que minha raiva não era um pecado mortal, que me levaria direto ao inferno. E pouco importava que eu não acreditasse na existência do inferno. Em mim, já estava incutida a ideia de que boas meninas deveriam ser doces, meigas e, mais do que tudo, dóceis. O problema é que eu não era nada disso.
Ok, eu tenho uma paciência fora do normal para quem me irrita. Meu ponto de ebulição é alto, a ponto de eu levar meses para comunicar um desconforto. Mas isso está longe de ser uma virtude. Essa demora, esse atraso, essa vontade sobrenatural de evitar conflitos, já me colocou em situações muito desconfortáveis.
O outro ponto - bem mais complexo - é que se eu não sei lidar com a minha irritação, também não sei lidar com a do outro. É um desafio diário não invalidar o sentimento alheio só porque ele não saiu controlado e polido como eu tendo a achar correto. Hoje, eu faço o exercício constante de fazer as pazes com a raiva, tentando seguir o caminho das mulheres terapeutizadas da família. “Por que eu estou sentindo isso? O que isso tem a me dizer sobre a situação? O que diz sobre mim?”.
Nem sempre funciona. Às vezes a única solução é Linkin Park no fone, um par de tênis no pé e a pista de corrida do Aterro. Enquanto eu conseguir manter meu réu primário, considero uma boa estratégia.
Da semana
Aqui em casa ficamos completamente viciados em “Vale o Escrito”, minissérie documental do Globoplay que conta a história do jogo do bicho e da contravenção no Rio de Janeiro. Tem briga de família, tem fofoca, tem ligação com o Carnaval e tudo que compõe uma boa novela, mas o que me chamou a atenção mesmo foi a normalidade com que a contravenção e o crime são tratados durante todos os episódios.
Puro suco de Rio de Janeiro, vale muito assistir!
Curtinhas!
Um curso imperdível para os swifters.
A Pixar ama “O Iluminado”.
Os melhores livros do ano, segundo o “The New York Times”.
Livros agora são cool?
O que eu estou lendo?
Outro dia, o Jocelio, porteiro aqui do prédio, me ligou dizendo que tinha um livro pra mim, “já que a senhora gosta de ler”. O livro em questão era “Me talk pretty one day”, uma espécie de autobiografia de David Sedaris. Como não sabia absolutamente nada sobre ele, dei um Google e descobri que o autor é um comediante “só comparável a craques como Woody Allen e Jerry Seinfeld”. Sei que a credencial de ser comparável ao Woody Allen hoje em dia não é grande coisa, mas dei uma chance para o livro e estou gostando bastante. Valorizo muito os autores capazes de me levar às lágrimas, mas ainda mais aqueles que conseguem me fazer rir. Tem tradução em português pela Companhia das Letras, o “Eu falar bonito um dia”.
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ponho linkin park nos ouvidos sempre que preciso dar uma respirada funda!
A raiva é uma emoção poderosa porque faz com que a gente parta pra ação. Não tem nada de errado em sentir raiva; o problema está na forma com que fomos educados sobre ela - essa sim, é um desserviço pra naturalização de conversas difíceis, aceitação e entendimento das nossas emoções como parte de quem a gente é.