Fui comedida no título desta newsletter. Se fosse para ser absolutamente sincera, no lugar de “me emocionaram” estaria “me fizeram chorar baldes”. Todas as vezes. Da maneira menos elegante que vocês podem imaginar.
Veja bem, apesar de amar livros com temáticas pesadas, é muito raro que eles me façam chorar. Eu me choco, me revolto, me indigno, reflito, escrevo sobre, levo para terapia. Mas lágrimas? Quase nunca.
Eis aqui as minhas exceções.
A cena do balde, Os Miseráveis
Eu já perdi a conta de quantas vezes narrei essa cena para os amigos, numa tentativa de convertê-los ao fã de clube de Jean Valjean. Nem sempre consegui - afinal, o tamanho do livro assusta -, mas quem se aventurou concorda: essa é uma das cenas mais lindas da literatura.
Um breve contexto: uma menina de 5 anos é obrigada a buscar água em um poço no meio de uma floresta. A noite está escura, mas ela prefere enfrentar o medo a desobedecer os donos da pensão onde mora. O balde é pesado e grande demais para uma criança tão pequena. É inverno na Europa, ela está descalça, sem casaco. A menina sente frio, o leitor sente frio. A cena é descrita de uma forma em que mesmo no verão carioca a gente quase vê a fumacinha da respiração. Nesse momento de extrema dificuldade e agonia, um desconhecido aparece e pega a alça do balde.
Por mais que esse livro tenha sido publicado há mais de 160 anos, não vou dizer quem são esses personagens. Parte da graça da experiência de leitura é a surpresa de identificá-los conforme a cena se desenrola, e ir saboreando cada palavra, perfeitamente encadeadas, até terminar em uma das minhas citações favoritas: “Para todos os encontros da vida há instintos ocultos. A menina não sentiu nenhum medo”.
O poema Do not stand at my grave and weep
A autoria do poema é controversa. Apesar de geralmente atribuída a Mary Elizabeth Frye, o nome de Clare Harner também é citado algumas vezes. Independente de quem o escreveu, esse é, sem dúvida, um dos meus poemas favoritos.
Além das belas imagens que ele evoca (chuva de outono, voo serenos dos pássaros), ele usa um tom bem reconfortante e sereno para falar do luto e mostrar que quem se vai, de alguma maneira permanece.
Li pela primeira vez em um post da Viola Davis, que usou o poema para homenagear o ator Chadwick Boseman. Desde então recorro a ele sempre que bate a saudade de quem não está mais aqui. Aqui vai uma tradução livre - e bem aquém do original.
Não fiques junto à minha cova a chorar,
Eu não estou ali. Não estou dormindo.
Sou os mil ventos que sopram,
Sou o brilho do diamante na neve.
Sou o sol que amadurece o grão,
Sou a chuva suave do outono.
Quando acordares no silêncio da manhã,
Sou o impulso veloz que te eleva,
Sou o voo sereno dos pássaros em círculo.
Sou a estrela que brilha suave à noite.
Não fiques junto à minha cova a chorar,
Eu não estou ali. Eu não morri.
O monólogo em Barbie
Muita gente tentou, mas poucas pessoas conseguiram traduzir o que é ser mulher com tanta competência e tanta precisão quanto Greta Gerwig e America Ferrara no filme da Barbie.
O monólogo da personagem Gloria foi escrito a quatro mãos e as duas - diretora e atriz - trocaram mensagens ao longo de meses, refinando a fala até chegar à (pelo menos pra mim) perfeição.
É quase impossível não se identificar. Em um minuto e meio a personagem mostra quão complexas e contraditórias são as expectativas que o mundo tem sobre nós, mulheres, e porque jamais vamos conseguir corresponder a elas. (E saber disso não é libertador?)
Eu me emociono toda vez que assisto, e de tempos em tempos revejo, analisando cada frase.
Curtinhas!
Já foi possuído pelo Chat GPT?
Westwing fez uma coleção em parceria com a Tarsila do Amaral e eu já quero absolutamente tudo.
Um final de semana inteiro dedicado a newsletters? Já estou dentro.
Status: apelando para a ficção para entender o conflito entre Irã e Israel.
Dica de série para quem ama uma boa história policial.
Leia também!
Nano prazeres e micro agradecimentos
Tanto se fala sobre praticar a gratidão que já tem gente com ranço só de ouvir/ ler a palavra. Mas eu juro que esse não é um texto para jovens místicos. Ou talvez seja, sei lá.
O que eu estou lendo?
Já me preparando para a FLIP, comecei a ler os livros de alguns dos autores convidados. O primeiro da leva é Caetano Galindo e o seu Latim em Pó. Curtinho e escrito de uma maneira bem leve e envolvente, o livro conta a história das origens do nosso português. E como a linguagem é parte indissociável de quem somos, é de certa forma, a história do povo brasileiro. Já estou amando!