Em uma sociedade ansiosa, é muito comum que nosso olhar esteja, na maior parte do tempo, voltado para o futuro. Desde a infância, gastamos horas pensando no que está por vir, no que vamos ser quando crescer, o que vamos realizar. Quando crescemos, o velho hábito se mantém. Jogamos para frente qualquer promessa de felicidade: “serei completa quando tiver um filho”, “quando eu conseguir aquele emprego a vida vai ser perfeita”, “espera só eu passar naquele concurso…”. Ouvimos que “é para frente que se anda” e raramente damos uma olhadinha para trás.
Não levem a mal, os sonhos realmente nos impulsionam e nos dão um certo norte. Mas tanta exaltação ao futuro pode nos dar a impressão de que nosso passado é um caos, quando isso não é necessariamente verdade (uma exceção aqui para quem viveu a década de 1980 e acha que blazer com ombreira não foi um erro. Foi sim). Brincadeiras à parte, ter uma boa relação com o passado pode ser uma boa forma de fazer as pazes com o presente.
Tenho o hábito de escrever diários desde 1997. Não sou nenhuma Sylvia Plath e muito menos Virginia Woolf, mas sempre achei interessante a ideia de registrar o que se passava no meu íntimo, sem que fosse facilmente acessado pelos outros. Um lugar onde eu poderia ser completamente honesta, sem censura prévia. Resultado: são quase 20 cadernos que me acompanham por todas as mudanças de apartamento desde os meus 12 anos. Quando me perguntam o que eu salvaria de um incêndio, eu não tenho a menor dúvida: a caixa com meus diários.
Não os releio para me envergonhar (embora às vezes eu me envergonhe) e nem para me orgulhar (embora às vezes eu me orgulhe). Releio porque é uma forma de me encontrar comigo mesma e ver que sim, vários desafios foram superados com a maturidade. Por outro lado, outros já fazem parte do meu DNA.
Nesses mergulhos no passado, descobri que muitas coisas que eu considerava um defeito eram, de fato, qualidades incompreendidas pelo entorno. Já constatei que quando me chamavam de chata eu estava, na realidade, impondo limites. Já me senti injustiçada e depois percebi que fui mesmo. Já derramei muitas lágrimas por coisas que hoje me arrancam até uma risadinha. E já descobri que a Tati de 16 anos em diversos momentos foi muito mais esperta e muito mais gentil consigo mesma do que a versão de 38.
Hoje, relendo textos desta newsletter para um novo projeto, percebi que nem precisamos ir tão longe na nossa própria timeline. Dois anos já são suficientes para transformar várias de nossas questões.
É por isso que eu escrevo (e releio): para nunca me perder de mim mesma.
Curtinhas!
Uma recapitulação bem-humorada da corrida eleitoral nos Estados Unidos.
Alguns filmes sobre grandes mulheres.
Um papo antigo da Marcela Ceribelli e da Hari Meinke, mas que ainda vale muito ouvir!
Porque nós, mulheres, somos fãs de true crime?
Livros infantis para todas as idades.
O que eu estou lendo?
Bruxas, da escritora mexicana Brenda Lozano, me pegou ainda nas primeiras páginas. O livro fala do encontro de duas mulheres de realidades completamente diferentes: Feliciana é uma curandeira muito respeitada e Zoé é uma jornalista que vai entrevistá-la depois da morte da sua prima Paloma. Mesmo vindo de universos quase opostos, as duas têm em comum uma relação íntima com suas irmãs e com a Linguagem. Uma narrativa bem bonita sobre as mulheres e a ancestralidade.
E não custa lembrar: os livros que eu cito aqui nessa newsletter sempre vêm acompanhados de um link de afiliado da Amazon. Ao comprar qualquer item através desses links, eu ganho uma pequena porcentagem e você não paga nada mais por isso. Vamos ajudar essa produtora de conteúdo a adquirir mais livros e falar mais sobre eles, em um ciclo sem fim de bons conteúdos na internet? :)
Adorei o texto. Também sempre tive hábito de fazer diários e fico tão triste quando me lembro, que há nove anos, quando tive que fazer uma grande mudança (de endereço e de vida) joguei fora meus diários. Sinto falta de revisitar minhas antigas versões, tenho uma prévia delas num antigo blog, mas não é suficiente, mas me contento de ainda ter um vislumbre de quem fui.
deve ser incrível ter um arquivo tão gigante desses de quem se era, sobretudo com o olhar mais generoso que a maturidade costuma trazer.