A pluralidade do ser humano me encanta. Saber que temos a mesma constituição física, mas visões de mundo completamente distintas, é algo que me fascina desde sempre. Como pode duas pessoas, às vezes até da mesma família, terem gostos e desejos completamente diferentes?
Pode ser que esse encantamento fique guardado na mesma caixinha da minha falta de ambição? Pode. Minha “bucket list” é composta por coisas relativamente simples: andar de patins no Rockfeller Center em Nova York, comer burrata e parma na Itália, escrever um livro, adotar um filho. Talvez por isso eu fique abismada com pessoas que, por livre e espontânea vontade, resolvem praticar esportes radicais, fazer uma trilha nos Himalaias (como minha prima
), ou atravessar o oceano Atlântico em solitário, como fez Tamara Klink.Tenho certeza de que nenhuma dessas pessoas nasceu desprovida de medo. Elas simplesmente olham para essa emoção, a reconhecem e seguem em frente. De mãos dadas com ele. Eu, bem mais trouxa, tenho medo de espírito, altura, lagartixa e, mesmo depois de adulta, sinto que vou morrer toda vez que preciso tomar vacina ou tirar sangue. E não me entendam mal: com exceção do medo de agulha que realmente tira o meu sono, eu não tenho nenhuma vontade de superar essas limitações. Os nossos pavores nos constituem tanto quanto nossas qualidades e defeitos.
Por outro lado, sei bem que quando a gente não enfrenta nenhum desconforto, a vida acaba ficando menor. A gente acaba se acomodando ao redor do que é seguro, mesmo que o seguro seja insuportável e custe caro.
No início de “Nós, o Atlântico em solitário”, Tamara diz que sempre vai ser mais fácil desistir antes da partida. Faz sentido. Ficar é a inércia e nosso cérebro busca pela segurança que só a falta de movimento proporciona. Mas é no movimento que a vida se faz. Seja enfrentando seus micro medos (como eu e a agulha), seja atravessando um oceano num veleiro pequeno e “precário”, como disse Amyr Klink ao ver a Sardinha, o barquinho que trouxe Tamara da França ao Brasil.
“O medo dá as caras e eu repito a mim mesma: se soubesse o tamanho dos desafios que encontraria na viagem, nunca teria partido. E nunca teria descoberto que, de algum jeito, eu poderia vencê-los”. Tamara foi ajustando as velas, checando a previsão do tempo e registrando sua viagem em um diário, que deu origem ao livro. Cada milha da viagem é contada com vocabulário náutico e com outro, mais particular e íntimo. A saudade do namorado, a timidez, a pressão que sente diante de problemas que não sabe como resolver, a fome que sentiu ao olhar a panela de comida no seu colo, mas não poder soltar o leme. São pequenos detalhes que me fizeram pensar “meu Deus, essa é a mulher mais corajosa que eu conheço”.
É bem verdade que apesar da travessia solitária, ela não estava absolutamente sozinha. O namorado mandava mensagens, um amigo a atualizava sobre as condições do tempo, a avó servia de suporte emocional. A cada porto, encontros e reencontros, novos amigos, velhos conhecidos. Afinal de contas, é para isso que os portos servem: recarregar as baterias para seguir viagem.
Escrevendo esse texto do meu escritório, com água potável à vontade, comida a 10 passos de distância e um chuveiro a 5, eu não consigo imaginar o que é dormir pouquíssimas horas por noite, tomar banho de água do mar ou não cruzar com outro ser humano por dias e dias. Gosto da minha própria companhia, mas porque sei que meu marido está no quarto ao lado e meus amigos a um whatsapp de distância.
Para além dos perigos intrínsecos a uma viagem desse tipo, onde a sua sobrevivência depende apenas de você mesma, o maior desafio é, imagino eu, sustentar o psicológico. Adoro pensar que anos de terapia me fizeram independente, mas acho que só mesmo uma aventura como a da Tamara Klink realmente consegue colocar esses aprendizados à prova. Mas honestamente? Jamais saberei.
Curtinhas!
Prestes a começar um projeto novo, esse texto veio muitíssimo bem a calhar.
Quando eu pensei na versão paga da newsletter, uma das ideias que fez meu olho brilhar era dividir com os assinantes as pesquisas que ando fazendo sobre temas diversos (feminismo, literatura de horror, male gaze x female gaze). Essa edição da Vou te Falar, fala EXATAMENTE sobre isso.
E por falar em
, na edição paga, fala sobre Nora Ephron, uma das minhas escritoras favoritas. O texto sobre o Kennedy é sensacional e fez dar muita risada na sala de espera do hospital, aguardando para fazer uma cirurgia.Sobre Fernanda Montenegro, Simone de Beauvoir e o poder da literatura.
Arte e sombra.
Exercícios de criatividade para o dia a dia.
Pressa é um atalho para a ausência.
Seu gosto musical é o maior indicativo de que você envelheceu.
O que eu estou lendo?
Depois de ler “É assim que acaba” e “É assim que começa” logo na sequência, deu vontade de ler um livro BOM. A escolha foi “A Cabeça do Santo”, da Socorro Acioli, para o Dedo de Prosa. Esse projeto da Tayná Saez tem sido uma alegria, viu? Ler, conversar sobre o livro com gente bacana e ainda receber uma análise aprofundada das obras no e-mail faz a gente perceber que a leitura só é solitária se a gente quiser!
Em paralelo, vou degustando com calma “The Most of Nora Ephron”, uma aula de humor, escrita e como viver bem. Amo!
E não custa lembrar: os livros que eu cito aqui nessa newsletter sempre vêm acompanhados de um link de afiliado da Amazon. Ao comprar qualquer item através desses links, eu ganho uma pequena porcentagem e você não paga nada mais por isso. Vamos ajudar essa produtora de conteúdo a adquirir mais livros e falar mais sobre eles, em um ciclo sem fim de bons conteúdos na internet? :)
Os medos sempre estarão lá, mas eles nunca podem nos impedir de fazermos o que amamos!
penso que existem diversas formas de encontrar consigo mesma e ressignificar os medos… de fato, a Tamara foi para um extremo onde que poucos conseguem se visualizar, mas tem tanta coisa que parece que pode nos gerar essa reflexão…
às vezes a gente só precisa sair da nossa bolha e abrir espaço pra modelos de vida diferentes. por aqui, tem sido uma jornada incrível :)