Se minha caixa de email fosse impressa, hoje eu estaria nadando em uma piscina de cartas, tal qual a Xuxa nos anos 90. No momento em que eu escrevo, são 6.348 na caixa de entrada. E se você me perguntar, sim, eu acredito que em algum momento eu vou conseguir limpá-la e deixar ali só o que é, de fato, importante. A gente se ilude como pode.
Acredito que essa ilusão tenha uma boa parcela de culpa na confusão mental das últimas semanas. Ando me sentindo bloqueada, as ideias não fluem e quando saem do cérebro e chegam a tela são sempre assim, meio meh.
Para ser totalmente honesta, é difícil olhar para algo que eu tenha escrito e pensar “nossa, que prodígio que eu sou”. Normalmente, o que acontece é o texto ficar perdido no Google Drive, eu achar anos depois e pensar “nossa, que bem escrito! Será que fui eu mesma que escrevi?” (Às vezes penso como seria a minha vida sem essa maldita síndrome da impostora. Acho que eu teria energia para escalar o Everest, porque o tempo que eu perco duvidando de mim mesma, francamente…)
Mas voltando ao assunto: bloqueio criativo. Sempre que me sinto assim, tendo a me voltar para o meu lugar de conforto, que consiste em não criar absolutamente nada e só consumir o que já foi criado por quem eu admiro. Pode ser uma newsletter, um livro, um filme. Erro crasso. Visto que, no momento, eu estou lendo Nós, mulheres da Rosa Montero, já dá para sentir o tamanho da pressão.
É uma mulher fabulosa falando de outras mulheres fabulosas. Algumas são absurdamente cruéis, mas ainda assim, são dignas de nota. Para o bem ou para o mal, mulheres que fizeram algo, que colocaram os frutos da própria criatividade no mundo.

Estou falando de Agatha Christie, Camille Claudel, as Irmãs Brontë, até Irene de Constantinopla (que foi totalmente bad ass em 790 e poucos, mas entrou para a história mesmo por ter cegado o próprio filho).
Entrar em contato com a vida dessas mulheres é, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição. Benção porque são, cada uma à sua maneira, grandes inspirações (mesmo que nos inspirem a ser diferentes, menos cruéis e egoístas). Maldição porque depois de tantos pagamentos históricos, nós - que vivemos no século XXI - temos (temos?) a obrigação moral de pegar todos esses avanços e honrar a nossa criatividade.
Isso é o que o meu cérebro racional, educado e empoderado pensa. O reptiliano quer apenas se esconder no quarto, com ar-condicionado e jogar Travel Town até esses “delírios criativos” passarem.
Mas a verdade é que não passam. E o próprio livro da Rosa Montero mostra isso. Impulsos criativos reprimidos geram neuroses, compulsões, doenças graves, vinganças e maldades inimagináveis. É de bom tom evitar.
No final, acho que a criatividade consiste em tirar de dentro de você o que está escondido, evitando ao máximo o caminho da comparação. Outro dia, lendo Para todas as mulheres que não têm coragem, da
, me dei conta de uma coisa curiosa. Fã da Dani desde os tempos do blog Don’t touch my moleskine, eu sempre quis ser como ela: cool, criativa, cheia de referências bacanas. Lendo o livro eu percebi que somos mais parecidas do que eu imaginava, mas não no que eu admiro, e sim no que eu nem sabia que ela sentia: medo, insegurança, receio de se expor. É curioso que o que nos torna parecidas seja tão doloroso: o medo de não ser suficiente.É triste perceber que a maioria das mulheres que admiramos passa pelas mesmas inseguranças em relação ao próprio potencial. Se um dia eu tiver a oportunidade de entrevistar a Fernanda Torres, vou perguntar pra ela: “Nanda, você fica com medo que te roubem o Globo de Ouro? Já sonhou que eles te mandam um zap pedindo desculpas, mas dizendo que erraram na indicação?”. Gosto de pensar que a deusa sabe que é foda e está imune a essas coisas, mas vai saber o que anos de patriarcado não produziram naquele cérebro.
Em um vídeo que anda circulando no Instagram, uma mãe explica para a filha - uma criança francesa muito fofa - que a comparação é um veneno e que veneno não se toma. Gostaria que minha mãe tivesse me contado isso ou que, pelo menos, eu tivesse visto esse vídeo mais cedo. Agora eu já tomei o veneno, me banhei no veneno, limpei a casa com o veneno.
, outra das minhas grandes referências na internet, escreveu um texto ótimo sobre isso, curiosamente usando o mesmo termo.Nele, ela fala sobre algo que já venho sentindo, mas ainda não tinha conseguido tangibilizar: o problema está no excesso de estímulos. É tanta coisa que tudo acaba virando ruído. Essa talvez seja a chave para uma vida mais criativa, silenciar algumas vozes. Separar um lugar para as referências, sim, mas deixá-las fora do quarto na hora de criar.
diz que precisamos criar em um espaço analógico, tão lúdico quanto uma sala de aula do jardim de infância. Não lembro mais se a metáfora é dele ou é minha, mas você pegou a ideia: papel, canetas coloridas, lápis de cor, giz de cera. DEIXAR FLUIR! Mais ou menos o que estou fazendo aqui, com esse texto escrito à mão (se você está lendo isso, é provável que ele tenha virado uma edição da newsletter).Eis aqui um compromisso que assumo comigo mesma: diminuir o uso do celular e tentar criar mais assim, no papel. Colorir, desenhar, fazer origami, sei lá. Usar mais as mãos e menos as telas.
Quem sabe essa angústia não é isso: excesso de telas, horas nas redes sociais e o veneno da comparação?
Curtinhas!
Honrando o tema dessa edição, hoje não tem links. Ao invés de soterrar vocês em mais referências, hoje eu fico com o silêncio.
Mas não se preocupem, os que realmente valerem a pena voltam já!
O que estou lendo?
Além de Nós, mulheres, sigo lendo Vidas Secas, para o Dedo de Prosa. Graciliano Ramos tem duas vantagens: nos brinda com uma linguagem belíssima e ainda ajuda a dar perspectiva à classe média da zona sul carioca. É como se ele dissesse: vem aqui ver o que é sofrimento de verdade! Livro bom dá tapa na cara.
E não custa lembrar: os livros que eu cito aqui nessa newsletter sempre vêm acompanhados de um link de afiliado da Amazon. Ao comprar qualquer item através desses links, eu ganho uma pequena porcentagem e você não paga nada mais por isso. Vamos ajudar essa produtora de conteúdo a adquirir mais livros e falar mais sobre eles, em um ciclo sem fim de bons conteúdos na internet? :)
Ontem eu comecei a ler A Mais recôndita memória dos homens e já no primeiro capítulo, o narrador, que é um escritor de uma certa "nova leva" de escritores senegaleses, encontra por acaso num bar na França uma escritora muito famosa e propõe a ela de levá-la para cama, e ela diz algo para ele muito interessante que eu acredito que caiba em qualquer situação de pessoas, como nós que lidamos com a escrita e a criatividade todos os dias:
"Aí está o seu erro. O erro de todos como você. Vocês acreditam que a literatura corrige a vida. Ou a completa. Ou a substitui. É mentira. Os escritores, e conheci muitos, sempre foram os amantes mais medíocres que encontrei. E sabe por quê? Enquanto fazem amor, já estão pensando na cena que essa experiência vai render. Cada carícia é estragada pelo que a imaginação deles faz disso ou vai fazer, cada estocada é enfraquecida por uma frase (...)".
É interessante pensar em como a gente vai deixando de viver o momento em busca da frase perfeita que vá nos destacar em meio essa multidão. E tô hoje eu aqui, cumprindo o que eu me prometi na semana passada, tirar certos momentos para simplesmente refletir sobre aonde eu quero chegar. Sempre em boa hora, Tati. Muito obrigada por esse texto.
Iniciei meus detox digitais em 2019 e tenho recolhido bons frutos deste processo.
Depois, dei mais um passo importante: resolvo um problema de cada vez, além de não me deixar pressionar por telefonemas, recados outros, o que seja.
Meu professor de Psicanálise tem insistido que não somos multitarefas. Acredito!
Vida despojada, simples e calma é tudo! :)