Ler um livro por dia, durante um ano. Parece um sonho, a versão premium do fim de semana de leitura da
. Mas, para Nina Sankovitch, foi uma forma de lidar com o luto pela morte da irmã mais velha, Anne-Marie - aos 46 anos de idade, por um câncer. A experiência foi o ponto de partida para o livro O Ano da Leitura Mágica, editado aqui no Brasil pela editora Leya.O luto - como eu comentei aqui - não é algo linear. Nina deu início ao projeto três anos depois que a irmã se foi. A palavra depressão não é utilizada no livro, mas quem já passou por um período assim identifica de primeira. É um não saber estar no mundo, algo confuso e difuso que apesar de não sabermos explicar, sentimos que podemos segurar na mão. É um vazio que preenche os dias e, aos poucos, vai tomando conta da alma.
Nina diz que os livros sempre foram um ponto de contato com Anne-Marie, a quem idolatrava mas tinha pouco em comum. Se voltar para a leitura - e para a escrita, já que o projeto envolvia também uma resenha por dia - era uma maneira de se reencontrar, de se tornar uma pessoa inteira de novo.
Me reconheço na jornada da Nina. Perdi meu pai em 2010, e em 2013, quando achei que já tinha superado o luto, pah, a depressão bateu na minha porta. Ao mesmo tempo, terminei um namoro de anos, que eu achava estar em seu melhor momento. Claro, não estou aqui para tirar os méritos da terapia e da indústria farmacêutica, mas tenho certeza que a força que eu precisava veio dos livros.
Mergulhar em outras histórias, outros conflitos e outras dores não faz com que a gente esqueça das nossas próprias, mas ajuda a dar contorno, materializar aquilo que a gente sente, mas ainda não consegue verbalizar. Eu sempre li muito, mas sei que esse período foi um divisor de águas na minha vida de leitora.
Entre os livros lidos por Nina estão alguns que li mais ou menos nessa época: A Elegância do Ouriço (Muriel Burberry), A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata (Mary Ann Shaffer e Annie Barrows), Pequena Abelha (Chris Cleave), Na Praia (Ian McEwan). A lista é longa e eclética - nem todos os títulos falam de luto.
Nina comenta que livros como O Ano do Pensamento Mágico, da Joan Didion (do qual falei aqui nessa edição), intensificavam a sua dor, ao invés de aliviá-la. Outros gêneros - como romances históricos, dramas ou policiais - corriam por fora e conseguiam oferecer o conforto necessário.
Inspirada por ela, decidi me dedicar a um dos meus passatempos preferidos e criar uma lista de leitura que talvez faça sentido para quem vive esse momento. Alguns eu li nessa época, outros anos depois e alguns ainda estão aguardando a sua vez. Não são 365, mas acho que 15 são um bom começo.
A Ridícula Ideia de nunca mais te ver, Rosa Montero
A morte é um dia que vale a pena viver, Ana Claudia Quintana Arantes
A elegância do ouriço, Muriel Burberry
A parte que me falta, Shel Silverstein
Tudo é Rio, Carla Madeira
Fim, Fernanda Torres
Tomates Verde Fritos, Fannie Flagg
Extremamente alto, incrivelmente perto, Jonathan Safran Foer
Ainda Estou Aqui, Marcelo Rubens Paiva
Tudo o que eu sempre quis dizer, mas só consegui escrevendo, Maria Ribeiro
A Disciplina do Amor, Lygia Fagundes Telles
Amanhã, amanhã e outro amanhã, Gabrielle Zevin
Paula, Isabel Allende
Se não fossem as sílabas do sábado, Mariana Salomão Carrara
Aos meus amigos, Maria Adelaide Amaral
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O que eu estou lendo?
Ler dois livros ao mesmo tempo às vezes proporciona coincidências interessantes. Em O Ano da Leitura Mágica, Nina conta como os pais saíram da Bélgica pós Segunda Guerra e se estabeleceram em Illinois, nos Estados Unidos. O pai, Anthony, foi batizado em homenagem à irmã, morta pelo exército russo. Em Heimat, Nora Krug conta como foi crescer na Alemanha e lidar com a culpa estrutural da sua família. Seu tio mais velho foi soldado da SS, morreu na Guerra, e seu pai, nascido alguns anos depois, foi batizado com o mesmo nome. Livros diferentes, backgrounds parecidos e narrativas super sensíveis!
esse caso está aí para nos lembrar de jamais duvidar do imenso poder da literatura! =)