Comida é coisa séria aqui em casa. Meu marido já teve seu próprio restaurante - foi assim que a gente se conheceu -, a maioria das nossas conversas bobas/profundas ocorre na hora das refeições e me arrisco a dizer que se não fosse uma certa bruschetta de cogumelos, hoje eu seria uma mulher solteira.
Não somos devotos de nenhum santo, mas se fosse preciso escolher alguém para colocar em um altar, certamente escolheríamos a Renata Vanzetto. Uma das chefs preferidas do meu marido, ela ganhou um lugarzinho especial no meu coração quando colocou em palavras algo que eu já sentia, mas não era capaz de verbalizar.
Depois de anos de sucesso, Renata decidiu fechar o Ema, um dos seus restaurantes mais autorais em São Paulo. Em uma entrevista para a revista Claudia, ela falou sobre a decisão e disse uma frase que, desde então, alugou um triplex na minha cabeça. “Não tenho a menor pretensão de ser uma superchef. Quero ter restaurantes legais e ser feliz”. Ela não falou em faturamento, não falou em estrela Michelin, não falou em fama. Falou em ser feliz.
O curioso é que, daqui de onde eu vejo, ela já é uma superchef. Mas eu entendo o ponto. Ser aquilo que o mercado gastronômico diz ser o topo da cadeia demanda muito. Demanda dedicação, disposição e - quem tem restaurante bem sabe! - saúde mental. Aliás, ocupar o lugar que os outros chamam de topo já é, por si só, exaustivo. E se você não tem certeza de que quer estar lá, não faz nem sentido.
Mas fazer uma declaração como essa em uma revista de circulação nacional exige coragem. Afinal, nós vivemos em um mundo em que uma frase dessa pode ser lida como falta de ambição. E Deus me livre não ser ambicioso em um universo que nos obriga a ser cada dia mais, ter mais, consumir mais… pra quê mesmo?
Desde que eu decidi empreender, não me arrependi por um minuto sequer. Mas durante meses me obriguei a querer o que eu achava que deveria querer. Pedi demissão de um emprego que eu amava porque estava equilibrando muitos pratos, com um pezinho no burnout. O que eu queria - de verdade - era tempo, nada mais. Queria poder me dedicar aos meus projetos, cuidar da minha família, cuidar de mim sem sentir culpa. Queria ganhar dinheiro, claro. Mas o plano nunca foi virar empresária. O plano sempre foi - e continua sendo - participar de projetos bacanas, ser remunerada de forma justa pelo meu trabalho, ser uma profissional reconhecida e… escrever!
Note que eu nunca disse que queria trocar de carro, morar numa mansão, ir à Europa uma vez por ano, empregar mais de 100 pessoas, revolucionar o mercado. Ter uma agência de branding e marketing foi uma consequência do sonho de ter mais liberdade de horários e qualidade de vida. Então, por que raios eu caí na armadilha das expectativas alheias?
Eu poderia culpar o Instagram, os amigos bem-sucedidos ou até a fatura do cartão de crédito. E nem estaria mentindo. Mas isso tudo é apenas uma parte da equação. Eu caí na armadilha porque me desconectei de mim. Me desconectei e demorei a ter coragem de assumir os meus desejos.
Quando eu era criança, meu pai me contava a história do seu Zé do Coqueiro, um homem que cultivava um coqueiro bem alto no seu jardim. Todo dia, seus vizinhos passavam e o cumprimentavam com um “bom dia, seu Zé do Coqueiro”. Revoltado com o apelido, ele decidiu colocar a árvore abaixo, deixando apenas um toco. No dia seguinte, seu vizinho o cumprimentou: “bom dia, seu Zé do Toco”. Ele não teve dúvidas: tirou o que sobrou da árvore, deixando ali um buraco aberto. No dia seguinte, claro, veio o vizinho: “bom dia, seu Zé do Buraco”. Honestamente, eu também não gostaria desse apelido, e provavelmente faria exatamente o que o seu Zé fez: taparia o buraco. Mas a continuação você já imagina - ele agora era conhecido como o seu Zé do Buraco Tapado. Moral da história: sempre vão falar. Sempre. Toda vez.
Tenha você um buraco, um grupo de restaurantes, uma agência de marketing, um coqueiro ou seja lá o que for, as pessoas falam. São viciadas em suas opiniões e no som de suas próprias vozes. Às vezes essas opiniões vão se infiltrando no nosso cérebro e roubando espaço do que nós realmente queremos.
Cabe a nós silenciar os ruídos, sorrir, acenar e decidir o que raios queremos de verdade.
Curtinhas!
Tati Bernardi fala sobre seu novo livro: A Boba da Corte.
Triste verdade: não vamos conseguir ler todos os livros que queremos.
Uma lista de livros para cuidar de quem cuida.
Sobre bateria social (e porque a nossa anda tão baixa).
Maria e o Cangaço, a nova série da Disney + (será que não tinha uma atriz nordestina para fazer o papel de Maria Bonita, não?).
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Os tijolinhos que me constituem
“Até doar os próprios livros pode ser perigoso. Nunca se sabe qual deles sustenta nosso edifício inteiro”. Clarice Lispector que me desculpe, mas precisei corromper sua frase famosa para explicar o que estou sentindo.
O que eu estou lendo?
Comecei a ler o livro de abril da minha listinha de 12 livros para 2025: O Ano do Pensamento Mágico, da Joan Didion. Estou na página 30, mais ou menos, mas já posso afirmar que, sim, ele é tudo isso. Sei que a obra da Didion veio antes, mas me lembrou muito A ridícula ideia de nunca mais te ver, da Rosa Montero. Acho que, de fato, existe algo universal no luto. E olha, estão aí duas mulheres que sabem sofrer bonito!
E não custa lembrar: os livros que eu cito aqui nessa newsletter sempre vêm acompanhados de um link de afiliado da Amazon. Ao comprar qualquer item através desses links, eu ganho uma pequena porcentagem e você não paga nada mais por isso. Vamos ajudar essa que vos fala a adquirir mais livros e comentar sobre eles, em um ciclo sem fim de bons conteúdos na internet? :)
adoro a Renata Vanzetto sem nunca ter ido a um restaurante dela e provado sua comida - a força do branding pessoal aí - e adorei a analogia e a forma com que trouxe o tema da desconexão e autoaceitação.
uma edição pra ler e reler sempre! :)
Exatamente, as pessoas nunca vão deixar de dar sua opinião em tudo. Resta a gente o que saber fazer com isso, se importar ou não. Mas é um caminho tão difícil né 🫨